"Minha meditação me queima, Senhor! Mas me deixai falar para me desafogar."
Jorge de Lima

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Máscara

A música me faz esquecer o que está ao redor. Foi provavelmente por esse motivo que eu levei um baita susto ao ver, parado, sobre um bicicletinha velha, um homem conversando com uma mulher. Mas, o que há de tão estranho? É que ele estava usando uma máscara! Uma máscara assim no meio da rua, numa tarde de segunda-feira! Não entendia o motivo de tanta morbidez.

Apertei os olhos. Estava duvidando de mim mesmo. Cheguei a pensar que já precisava trocar as lentes dos meus óculos, mas era uma máscara mesmo, e daquelas bem horrendas, de colocar medo em qualquer um. Os olhos inexpressivos e ameaçadores. O quase sorriso. A pele sem marcas, nem de riso, nem de choro. O que ele estava fazendo ali? Por que estava parado conversando? Por que não ia embora?

Eu estava me aproximando... Minha casa ficava para o outro lado. Tinha de passar por ali de qualquer jeito, mas e aquela máscara? Pensei em mudar de rumo, ir para outro lado, mesmo que demorasse mais para chegar em casa, mas não poderia fazer isso, afinal a máscara poderia vir atrás de mim. Eu precisava mostrar que não tinha medo, que era mais forte que ela, por isso, continuei meu caminho.

Acelerei o passo. Acho que fiz um barulho desnecessário porque a máscara olhou para mim... mas não era máscara, era uma cara muito sofrida, cheia de rugas, infeliz, lacrimejante. Meu coração pulsou de alívio. Não era máscara, era homem. Atravessei a rua e dei uma última olhada para trás. A máscara estava ali de novo, a encarar-me frontalmente. O quase sorriso gelou a minha espinha. Virei a cara e prossegui meu caminho.

sábado, 30 de julho de 2011

O dogão da praça

Às vezes o tempo parece fugir das nossas mãos. Isso todo mundo sabe e entende muito bem. Em São Paulo, as pessoas sempre me fazem sentir que estou atrasado para alguma coisa, para "pegar meu lugar no futuro", como diria a música de Paulinho da Viola. É sempre a mesma correria e quase não há tempo para apreciar os pequenos prazeres da vida, que nos fazem esquecer temporiamente esse deserto árido que são as nossas preocupações rotineiras.

Eram três da tarde e eu ainda não havia comido nada. Era muito tarde para almoçar, porém, muito cedo para jantar, então me contentei com o dogão da praça mesmo. Estava pronto para "macabear", do mesmo modo que a heroína do romance de Clarice Lispector.

"Senhor, eu quero um cachorro quente completo e uma Coca Cola", pedi. O dono da barraquinha era um senhorzinho magricela de cabelos brancos, desses que parecem conter todo um universo dentro de si. Sem nenhuma palavra, ele me entregou a lata de Coca Cola e foi preparando o meu lanche. Eu esperava olhando ao redor, com o olhar vago, como sempre faço quando estou entendiado. Algum tempo depois ele me passou o sanduíche e depois me deu as costas. Enquanto minha boca faminta dava a sua primeira mordida no lanche, o homem se virou de novo com a mão estendida; nela havia outra lata de Coca Cola, que ele queria me passar.

"O senhor já tinha me dado a Coca Cola...", disse eu. Nesse momento ele me pareceu um pouco confuso, mas logo ele colocou a lata de volta na caixa e me deu um sorriso. "Meu filho", começou ele, "quando você tiver a minha idade você vai entender o que um homem passa na minha idade...". Tentando ser simpático e conciliador, retruquei: "Mas essa é uma boa idade também, não?" E ele: "Eu tenho 75 anos e sei que cada idade tem o seu melhor e o seu pior. Primeiro vem a infância, depois a adolescência, a idade adulta e então chega a velhice. Dizem por aí que a minha idade é a 'melhor idade', mas essa é a maior besteira que existe. Ninguém quer ser velho. Se pudessem, todos ficariam jovens para sempre. A melhor idade é a sua. Você é saudável e sua mente está chegando ao auge." Ia retrucar alguma coisa, mas diante daquele discurso tão convincente o que eu poderia dizer? Tentei algo: "Mas já que todo mundo envelhece, eu quero chegar à sua idade com saúde para trabalhar também". A resposta dele foi simples: "Eu não. Gostaria de aproveitar minha velhice na praia. Mas não posso viver assim só com aposentadoria, então, por isso, tenho de trabalhar. Meu corpo já não é mais o mesmo. Amigo, enquanto puder, aproveite bem a vida porque ela é única. Depois não tem como voltar atrás...". Depois de dizer isso, ele passou a atender uma moça que havia acabado de chegar.

Terminei de comer o meu cachorro quente enquanto pensava no que ele havia dito. Realmente, essas pessoas de São Paulo sempre me fazem sentir que estou atrasado para alguma coisa...

domingo, 23 de janeiro de 2011

O efeito do gás lacrimogênio

Histórias como essa acontecem com relativa frequência e se contasse todas, provavelmente elas se tornariam tediosas rapidamente, mas a que vou contar agora destaca-se por quase ter chegado a uma solução extrema.
Todos estão vendo na televisão o caos que as tempestades desse ano estão causando no Sudeste do nosso país, naturalmente que isso iria se refletir no transporte público de São Paulo, que, mesmo sem nenhum desastre natural, já é bem ruim.
Naquele dia saí do trabalho já com o guarda-chuva na mão, pois o céu uma chuva "daquelas". Rezando para que são Pedro esperasse pelo menos que eu chegasse à estação de trem, desci a rua correndo, ou melhor, voando. Pena que fui rápido o suficiente: antes que eu chegasse à metade do caminho as minhas calças já estavam molhadas e, detalhe de vital importância, eu não sofro de incontinência urinária! O que acontece é que o vento era tão forte que o meu guarda-chuvinha ching-ling só servia mesmo para esconder a minha cabeça, e olhe lá.
Já na estação, decidi pegar o metrô em direção à Itaquera para depois pegar o trem ali, onde é ligeiramente mais fácil de entrar. Porém, na altura de Arthur Alvim, já perto do meu destino final, olhei para o outro lado da mureta que divide CPTM e metrô e vi um trem parado com as portas abertas e várias pessoas com seus guarda-chuvas caminhando pela via. Pronto. O desastre já havia se instalado! Trem avariado! Ao parar em Itaquera, vi que na estação de trem ao lado havia outro trem avariado parado na plataforma. Ai, meu Deus!
Saí do metrô e me aproximei das catracas da CPTM, mas eu não consegui ver nada porque havia uma multidão em frente às catracas, já que os guardinhas estavam impedindo a entrada das pessoas. Decidi que aquela situação iria demorar para ser resolvida, por isso fui ao shopping para comer alguma coisa enquanto esperava pela normalização da situação. Comi um karê, dei uma volta pelas lojas, olhei vitrines e depois um tempo voltei à estação para ver o que estava acontecendo, mas para minha surpresa estava tudo na mesma. Mas eu tinha um plano B: eu podia pegar um táxi até a estação Guaianazes, não? Desci as escadas, mas logo vi que não tinha muita solução: o espaço de baixo estava tomado por pessoas que formavam enormes e intermináveis filas na esperança de pegar algum ônibus. Táxi não havia. Tive de voltar. Comecei a pensar em alguém que morava em São Paulo e que podia me hospedar por uma noite, mas mudei de ideia quando vi a multidão em frente à catraca entrando na estação. A situação estava normalizada! Fui até lá para entrar também, mas quando estava quase chegando na estação os guardinhas impediram a nossa entrada, pois a plataforma estava muito cheia. Olhei para trás e percebi que provavelmente havia feito a maior (ou uma delas) burrada da minha vida: outra multidão estava acumulada atrás de mim. Não tinha como voltar atrás agora... Do outro lado da catraca policiais segurando cacetetes e outros com espingardas olhavam ameaçadoramente na nossa direção. Diante das reclamações de tanta gente, um dos guardas da estação pegou o megafone e gritou: "Pessoal, a gente não tem o que fazer. Choveu, parou!". A vaia sonora que ele recebeu como resposta foi castigo suficiente para a sua frase tosca. Acho que vocês podem imaginar a situação confortável na qual eu me encontrava: entre um grupo de policiais dispostos a bater (ou atirar) em quem se atrevesse a passar e uma multidão irada, que não parava de reclamar. De vez em quando ouvia-se uma voz ou outra vinda do fundo da multidão fazendo algum protesto. Um gritava: "Chama a polícia! Eu quero os meus R$ 2,65 de volta", outra: "Abre logo essa bagaça!". Duvido que algum deles gritaria daquele se estivesse cara a cara com aqueles policiais. Acho que foi essa mesma "coragem" que fez com que o tumulto começasse: um grupo de trás se uniu para empurrar quem estivesse na frente para que, na iminência de ser esmagado, a pessoa fosse obrigada a passar pela catraca. Foi um confusão geral. Eu fiquei mesmo com medo nessa hora. E quase fui prensado no espaço entre as duas catracas. Sorte que nessa hora alguns policiais começaram a ajudar as pessoas que estavam na frente. Um deles me ajudou puxando-me pelos braços e evitou que eu fosse esmagado.
Lá dentro, em situação melhor, fiquei esperando o trem, que demorava a chegar. A estação não estava tão cheia porque os guardas estavam barrando de excesso de pessoas. Ficamos ali parados esperando o trem chegar. Depois de uns 30 minutos perguntei a um dos funcionários da estação o que estava acontecendo. Ele explicou que deu uma pane elétrica no trem que estava parado ali na estação e que o trem que estava parado atrás havia sido abandonado, o que só piorou a situação. Contou-me também que alguns funcionários iriam até aquele trem para buscar um cadeirante que não conseguiu sair do trem. Aquele mesmo trem seria o que prosseguiria viagem. A vozinha irritante da estação confirmou que o trem já estava circulando para aquela estação.
Avistamos no horizonte a lanterna do trem, quando ouvimos uma gritaria vinda de baixo, das catracas, e o som de tiros. Todos na plataforma se olharam assustados e quando uma fumaça densa subiu para a plataforma, as pessoas começaram a tossir e os olhos, a lacrimejar. Era o gás lacrimogênio. Nunca na minha vida havia aspirado esse gás e não posso dizer que é a melhor das experiências. E olha que eu aspirei bem pouco... Imaginem quem estava lá embaixo... O trem foi parando... As pessoas, desesperadas por causa do gás, fizeram tumulto para entrar e, óbvio, pegar um lugar sentadas. Lá dentro, já fora de perigo, todos ficaram bem comportados... Sempre me impressionei com nossa capacidade de jogar fora nossa humanidade tão rapidamente, mas o que me chocou dessa vez é como a recuperamos tão rápido... Não foram as mesmas pessoas que se empurraram e quase se mataram para entrar? Por que elas estavam sentadas ali como se nada tivesse acontecido? A que mais me chocou foi uma senhora evangélica que ficou se acotovelando com um monte de gente para entrar enquanto gritava: "Glória a Deus! Glória a Deus!" Será que não lhe ensinaram que não se invoca por qualquer coisa?

E a conclusão de tudo isso? Bom, eu fui para casa sem mais incidentes, mas pensando que se as armas são ruins, as armas químicas são ainda piores. Nunca poderemos dizer que somos completamente civlizados enquanto essas monstruosidades ainda existirem na face da Terra.

domingo, 12 de setembro de 2010

Desventuras em Buenos Aires - Parte II

Esta é uma continuação do relato contido no post anterior. Se você ainda não conferiu, é melhor começar por ele...
Depois de fechar todas as malas e constatar que estava tudo em ordem, eu e minhas primas decidimos que seria bom se pudéssemos comer alguma coisa. Como não havia muito dinheiro e como não queríamos deixar as malas sozinhas no albergue, ficou decidido que eu ficaria ali na sala de tv com as malas, enquanto as meninas saíam para procurar um supermercado ou qualquer outro lugar onde pudessem comprar alguma coisa para comer.
As duas saíram e eu fiquei ali jogado no sofá. Estava sozinho, mas logo apareceu companhia: primeiro um moço com um touquinha azul ridícula que evidentemente se sentou ali para esperar alguém e depois um homem, que mais parecia um armário, se sentou ali para tomar uma cerveja sem o agito do bar, no andar de cima. No entanto, apesar da presença dos dois estava tudo em paz e, por isso, fiquei ali de boa sem ser incomodado por ninguém.
Logo minhas companheiras de viagem voltaram abarrotadas de comida. Levantei-me e fui com elas até umas mesinhas que ficavam ao lado da cozinha. Hora da comilança!
Mas algo me incomodava:
"Não é melhor a gente trazer as malas para cá, junto de nós?", perguntei.
"Não! Daqui dá para vê-las. Não é preciso.", respondeu minha prima.
Levando isso em conta, começamos a comer. Logo apareceu mais uma rapaz, amigo do touquinha-azul, que havia feito a mesma coisa que as meninas e trouxe comida para os dois. Eles também se sentaram a outra mesa.
Foi aí que começou a parte interessante da história. De repente a porta que dava para as escadas se abre e entra um moço de mais ou menos uns 25 anos, cambaleando tanto que nem conseguia ficar em pé. Ele estava completamente bêbado. Veio caminhando na nossa direção, e eu pensei que ele fosse querer falar com nós, mas ele passou direto e entrou no banheiro. Minha prima mais nova disse que ele fez um sinal para ela, que ela achou que fosse aquele que significa "Estou de olho em você!". Ela ficou com um pouco de medo, mas enquanto falávamos disse, o cara saiu do banheiro, parou ao nosso lado e disse com a voz mais molenga do universo e gesticulando do mesmo jeito que havia feito para minha prima antes de entrar no banheiro: "Descuuuuulpe, I haaave....." (as reticências representam a parte que não fomos capazes de entender). Ficamos olhando para ele com vontade de rir, mas tínhamos medo de ele irritar-se. Diante do nosso silêncio ele parou de falar e começou a fazer um gesto com a cabeça, dizendo: "No? No?". Então ele sacudiu os ombros e foi cambaleando até a sala de tv. Minha prima mais nova, como não podia deixar de ser, começou a rir com gosto do moço. Minha outra prima disse a ela para moderar o tom, pois o cara podia ficar bravo. Nesse meio tempo, o bebum conseguiu chegar lá e sentou-se ao lado do homem-armário, tentando puxar assunto com ele, que evidentemente não queria bater papo com um bêbado; por isso ele se levantou e sentou-se em outro sofá.
A porta se abriu de novo. Dessa vez entrou o coleguinha do bêbado. Ele segurava uma taça de vinho e, como o outro, mal conseguia parar em pé! Os dois fizeram sons naquela língua estranha de bêbado quando se reconheceram e o segundo bêbado também foi à sala de tv. Minha prima mais nova, sempre aos risos: "Ah lá! Ele batizou o chão e o sofá com vinho!". De fato, o cara mal conseguia segurar a taça e derrubou quase todo o seu conteúdo. Depois de colocar o "vaso sagrado" na mesa, ele voltou até a escada e voltou carregando o fio de um computador, como se fosse um pêndulo. Nesse momento, ninguém na sala fazia muita questão de esconder que estava dando risada dos dois. A seguir foi a vez de ele trazer um computador. Os dois colegas sentaram lado a lado no sofá e ficaram um pouco em silêncio. Continuamos a comer, agora conversando sobre outras coisas.
De repente minha prima mais nova: "Eles estão no maior love!". Quando me virei, o segundo bêbado usava o computador, e o primeiro repousava a cabeça no ombro do amigo num gesto de cooperação e amizade entre bêbados! Não satisfeitos com o estado em que se encontravam, o segundo decidiu acender um baseado, ali no meio da sala de tv mesmo. Aquele cheiro horrível de maconha invadiu a sala, mas logo passou.
Depois de um tempo, o segundo fechou o computador, e os dois se levantaram e saíram abraçados, pois pensavam assim que conseguiriam andar. Eles pararam perto do touquinha-azul e seu amigo e tentaram conversar com ele, mas o moço, como a gente, só ficou dando um sorriso amarelo. Então os dois, mais para lá do que para cá, saíram da sala. Todos começaram a dar risada dos dois, até o homem-armário, que, de volta ao seu lugar, olhava para nós rindo à beça.
Me pergunto se aqueles dois conseguem sobreviver sozinhos...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Despejados em Buenos Aires

Pobre quando viaja é assim: se mete em um monte de roubadas (não que eu reclame! haha). Na semana passada viajei com as minhas primas para a cidade mais brasileira fora do Brasil: a capital de los hermanos. Passamos um excelente fim de semana. Na verdade, era um daqueles raros momentos em que se melhorar um pouco estraga. Ficamos num albergue muito bom na Avenida de Mayo, que liga a Casa Rosada ao Congresso Nacional. O albergue era maravilhoso e ficamos muito bem hospedados por exatos 2 dias e três quartos.
Era domingo já. Hora de voltar para casa. Carregados com sacolas, voltamos para o albergue, cansados e com vontade de tomar um banho. Subimos as escadas com esforço e chegamos ao quarto, mas ao abrir a porta tivemos uma baita surpresa: em vez dos dois beliches que haviam sido postos ali para nós, havia uma cama de casal: havíamos sido despejados! Procuramos pelo quarto, mas as nossas malas não estavam por lá. Deixamos as coisas em cim da cama e fomos à recepção. Lá embaixo quem estava no turno era um argentino baixinho e com cara de espertalhão. Quando perguntei com ele o que havia acontecido, ele ficou surpreso e exclamou: "Ah, então são vocês!". E depois explicou que não tínhamos que ter feito o check-out até as duas da tarde porque o quarto seria ocupado por outra pessoa! Eu e minhas primas nos olhamos entre nós e eu perguntei onde diabos estavam as nossas malas. O funcionário do albergue apontou para um escritório ali atrás e disse para que nós o acompanhássemos. Fomos até lá e ele apontou para um canto. Estavam lá. As duas malas e a minha mochila e mais uma sacola enorme com as coisas que tínhamos deixados fora das malas estavam jogadas e não fazíamos a mínima ideia se tudo estava lá dentro.
Perguntei no mais puro portunhol como iríamos fazer para arrumar as nossas coisas e o cara respondeu que podíamos ir na sala de tv no subsolo, pois ali era um lugar bem calmo.
Decidimos fazer como ele disse e por isso pegamos o elevador para o subsolo. Na sala de tv, arrumamos um canto e começamos a arrumar nossas coisas em público! Foi tão engraçado! Ainda bem que pelo menos nada havia sumido, exceto uma garrafa de águas e alguns bolinhos que estavam no quarto.
Nossa preocupação era colocar nas malas as coisas que tínhamos comprado, pois achamos que não haveria espaço. A ordem portanto foi socar tudo na mala! No final acabou mesmo dando tudo certo. Só uma das malas foi difícil de fechar, por isso, tive de me sentar nela para que o zíper fechasse. Nada de muito preocupante, portanto...
Pena que a história ainda não acabou...

Continua...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

domingo, 15 de agosto de 2010

A ruivinha do trem

Em dias de solidão a gente começa a reparar mais no mundo ao nosso redor.
Tinha tudo para ser um mais-um-dia. Como de costume, havia me enfiado no meio da mutidão, em busca de sobrevivência ou, pelo menos, tentando chegar ao trabalho no horário. O trem estava cheio e o meu olhar vagava de lado a lado, pois nessas horas vem uma inquietude indescritível, que terminou com o aparecimento de uma bela figura, uma ruivinha pequena e elegante. Não sei de onde veio, mas quando me dei conta ela estava em pé do outro lado do vagão. Sua figura contrastava com o mundo ao seu redor: ela, tão delicada e pequena no meio de um mundo hostil e agressivo. O rosto sereno diferenciava-se do silêncio conformista que reina na cara das pessoas nessa situação.
Enquanto esperava o trem partir, colocou os fones de ouvido e começou a se deliciar com algum tipo de música. A boca pequena movia-se com afinco, acompanhando o ritmo e a letra, provavelmente rápidos, da música. Como ela era linda! Não conseguia tirar os olhos dela. Tentei desviar o olhar, pois não creio ser de muita educação ficar observando as pessoas dessa forma, mas foi em vão: logo eu não resistia e voltava a pregar os olhos no seus cabelos de fogo.
O trem já havia partido. Numa curva a luz do Sol repousou no rosto dela, o que lhe deu uma nova graça, pois realçava o branco da sua pele e o leve corado nas bochechas. Incomodada um pouco pela luz, ela fechou os olhos, mantendo a cabeça um pouco inclinada para a direita numa expressão de serenidade, causada talvez pela música que ouvia.
Num das paradas de estação, desviei a atenção para o empurra-empurra travado logo atrás de mim. O trem retomou o movimento. A ruivinha estava agora de lado em relação a mim. Ela havia mudado de posição para que pudesse arrumar o cabelo, enquanto segurava com a mão esquerda um espelho de bolso. Depois de guardar, ela, distraída, ficou brincando com um dos caracóis do seu cabelo. E como fazia isso com charme!
Você vai me perguntar: Será que alguma vez ela olhou na minha direção. E a resposta é sim. E foi uma só vez. O olhar dela me paralisou momentaneamente. Mas como disse foi só um momento. Logo seus olhos se perderam na paisagem pela janela.
A viagem estava terminando. O trem parou e eu desembarquei. Notei logo que ela desembarcou na mesma estação, por outra porta. Não deixou de ser engraçado vê-la saltitando alegremente enquanto corria em direção a um moço sentado numa das cadeiras da estação. Ele se levantou e a segurou com força no seus braços. Não eram namorados, pois não se beijaram, nem saíram de mãos dadas.
Não demorou muito para perder de vista no meio da multidão da Cidade Grande a minha paixonite do trem: a minha doce ruivinha, que talvez nunca mais terei o prazer de ver novamente. Mas... como é bom estar vivo!