"Minha meditação me queima, Senhor! Mas me deixai falar para me desafogar."
Jorge de Lima

domingo, 23 de janeiro de 2011

O efeito do gás lacrimogênio

Histórias como essa acontecem com relativa frequência e se contasse todas, provavelmente elas se tornariam tediosas rapidamente, mas a que vou contar agora destaca-se por quase ter chegado a uma solução extrema.
Todos estão vendo na televisão o caos que as tempestades desse ano estão causando no Sudeste do nosso país, naturalmente que isso iria se refletir no transporte público de São Paulo, que, mesmo sem nenhum desastre natural, já é bem ruim.
Naquele dia saí do trabalho já com o guarda-chuva na mão, pois o céu uma chuva "daquelas". Rezando para que são Pedro esperasse pelo menos que eu chegasse à estação de trem, desci a rua correndo, ou melhor, voando. Pena que fui rápido o suficiente: antes que eu chegasse à metade do caminho as minhas calças já estavam molhadas e, detalhe de vital importância, eu não sofro de incontinência urinária! O que acontece é que o vento era tão forte que o meu guarda-chuvinha ching-ling só servia mesmo para esconder a minha cabeça, e olhe lá.
Já na estação, decidi pegar o metrô em direção à Itaquera para depois pegar o trem ali, onde é ligeiramente mais fácil de entrar. Porém, na altura de Arthur Alvim, já perto do meu destino final, olhei para o outro lado da mureta que divide CPTM e metrô e vi um trem parado com as portas abertas e várias pessoas com seus guarda-chuvas caminhando pela via. Pronto. O desastre já havia se instalado! Trem avariado! Ao parar em Itaquera, vi que na estação de trem ao lado havia outro trem avariado parado na plataforma. Ai, meu Deus!
Saí do metrô e me aproximei das catracas da CPTM, mas eu não consegui ver nada porque havia uma multidão em frente às catracas, já que os guardinhas estavam impedindo a entrada das pessoas. Decidi que aquela situação iria demorar para ser resolvida, por isso fui ao shopping para comer alguma coisa enquanto esperava pela normalização da situação. Comi um karê, dei uma volta pelas lojas, olhei vitrines e depois um tempo voltei à estação para ver o que estava acontecendo, mas para minha surpresa estava tudo na mesma. Mas eu tinha um plano B: eu podia pegar um táxi até a estação Guaianazes, não? Desci as escadas, mas logo vi que não tinha muita solução: o espaço de baixo estava tomado por pessoas que formavam enormes e intermináveis filas na esperança de pegar algum ônibus. Táxi não havia. Tive de voltar. Comecei a pensar em alguém que morava em São Paulo e que podia me hospedar por uma noite, mas mudei de ideia quando vi a multidão em frente à catraca entrando na estação. A situação estava normalizada! Fui até lá para entrar também, mas quando estava quase chegando na estação os guardinhas impediram a nossa entrada, pois a plataforma estava muito cheia. Olhei para trás e percebi que provavelmente havia feito a maior (ou uma delas) burrada da minha vida: outra multidão estava acumulada atrás de mim. Não tinha como voltar atrás agora... Do outro lado da catraca policiais segurando cacetetes e outros com espingardas olhavam ameaçadoramente na nossa direção. Diante das reclamações de tanta gente, um dos guardas da estação pegou o megafone e gritou: "Pessoal, a gente não tem o que fazer. Choveu, parou!". A vaia sonora que ele recebeu como resposta foi castigo suficiente para a sua frase tosca. Acho que vocês podem imaginar a situação confortável na qual eu me encontrava: entre um grupo de policiais dispostos a bater (ou atirar) em quem se atrevesse a passar e uma multidão irada, que não parava de reclamar. De vez em quando ouvia-se uma voz ou outra vinda do fundo da multidão fazendo algum protesto. Um gritava: "Chama a polícia! Eu quero os meus R$ 2,65 de volta", outra: "Abre logo essa bagaça!". Duvido que algum deles gritaria daquele se estivesse cara a cara com aqueles policiais. Acho que foi essa mesma "coragem" que fez com que o tumulto começasse: um grupo de trás se uniu para empurrar quem estivesse na frente para que, na iminência de ser esmagado, a pessoa fosse obrigada a passar pela catraca. Foi um confusão geral. Eu fiquei mesmo com medo nessa hora. E quase fui prensado no espaço entre as duas catracas. Sorte que nessa hora alguns policiais começaram a ajudar as pessoas que estavam na frente. Um deles me ajudou puxando-me pelos braços e evitou que eu fosse esmagado.
Lá dentro, em situação melhor, fiquei esperando o trem, que demorava a chegar. A estação não estava tão cheia porque os guardas estavam barrando de excesso de pessoas. Ficamos ali parados esperando o trem chegar. Depois de uns 30 minutos perguntei a um dos funcionários da estação o que estava acontecendo. Ele explicou que deu uma pane elétrica no trem que estava parado ali na estação e que o trem que estava parado atrás havia sido abandonado, o que só piorou a situação. Contou-me também que alguns funcionários iriam até aquele trem para buscar um cadeirante que não conseguiu sair do trem. Aquele mesmo trem seria o que prosseguiria viagem. A vozinha irritante da estação confirmou que o trem já estava circulando para aquela estação.
Avistamos no horizonte a lanterna do trem, quando ouvimos uma gritaria vinda de baixo, das catracas, e o som de tiros. Todos na plataforma se olharam assustados e quando uma fumaça densa subiu para a plataforma, as pessoas começaram a tossir e os olhos, a lacrimejar. Era o gás lacrimogênio. Nunca na minha vida havia aspirado esse gás e não posso dizer que é a melhor das experiências. E olha que eu aspirei bem pouco... Imaginem quem estava lá embaixo... O trem foi parando... As pessoas, desesperadas por causa do gás, fizeram tumulto para entrar e, óbvio, pegar um lugar sentadas. Lá dentro, já fora de perigo, todos ficaram bem comportados... Sempre me impressionei com nossa capacidade de jogar fora nossa humanidade tão rapidamente, mas o que me chocou dessa vez é como a recuperamos tão rápido... Não foram as mesmas pessoas que se empurraram e quase se mataram para entrar? Por que elas estavam sentadas ali como se nada tivesse acontecido? A que mais me chocou foi uma senhora evangélica que ficou se acotovelando com um monte de gente para entrar enquanto gritava: "Glória a Deus! Glória a Deus!" Será que não lhe ensinaram que não se invoca por qualquer coisa?

E a conclusão de tudo isso? Bom, eu fui para casa sem mais incidentes, mas pensando que se as armas são ruins, as armas químicas são ainda piores. Nunca poderemos dizer que somos completamente civlizados enquanto essas monstruosidades ainda existirem na face da Terra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário