"Minha meditação me queima, Senhor! Mas me deixai falar para me desafogar."
Jorge de Lima

sábado, 30 de julho de 2011

O dogão da praça

Às vezes o tempo parece fugir das nossas mãos. Isso todo mundo sabe e entende muito bem. Em São Paulo, as pessoas sempre me fazem sentir que estou atrasado para alguma coisa, para "pegar meu lugar no futuro", como diria a música de Paulinho da Viola. É sempre a mesma correria e quase não há tempo para apreciar os pequenos prazeres da vida, que nos fazem esquecer temporiamente esse deserto árido que são as nossas preocupações rotineiras.

Eram três da tarde e eu ainda não havia comido nada. Era muito tarde para almoçar, porém, muito cedo para jantar, então me contentei com o dogão da praça mesmo. Estava pronto para "macabear", do mesmo modo que a heroína do romance de Clarice Lispector.

"Senhor, eu quero um cachorro quente completo e uma Coca Cola", pedi. O dono da barraquinha era um senhorzinho magricela de cabelos brancos, desses que parecem conter todo um universo dentro de si. Sem nenhuma palavra, ele me entregou a lata de Coca Cola e foi preparando o meu lanche. Eu esperava olhando ao redor, com o olhar vago, como sempre faço quando estou entendiado. Algum tempo depois ele me passou o sanduíche e depois me deu as costas. Enquanto minha boca faminta dava a sua primeira mordida no lanche, o homem se virou de novo com a mão estendida; nela havia outra lata de Coca Cola, que ele queria me passar.

"O senhor já tinha me dado a Coca Cola...", disse eu. Nesse momento ele me pareceu um pouco confuso, mas logo ele colocou a lata de volta na caixa e me deu um sorriso. "Meu filho", começou ele, "quando você tiver a minha idade você vai entender o que um homem passa na minha idade...". Tentando ser simpático e conciliador, retruquei: "Mas essa é uma boa idade também, não?" E ele: "Eu tenho 75 anos e sei que cada idade tem o seu melhor e o seu pior. Primeiro vem a infância, depois a adolescência, a idade adulta e então chega a velhice. Dizem por aí que a minha idade é a 'melhor idade', mas essa é a maior besteira que existe. Ninguém quer ser velho. Se pudessem, todos ficariam jovens para sempre. A melhor idade é a sua. Você é saudável e sua mente está chegando ao auge." Ia retrucar alguma coisa, mas diante daquele discurso tão convincente o que eu poderia dizer? Tentei algo: "Mas já que todo mundo envelhece, eu quero chegar à sua idade com saúde para trabalhar também". A resposta dele foi simples: "Eu não. Gostaria de aproveitar minha velhice na praia. Mas não posso viver assim só com aposentadoria, então, por isso, tenho de trabalhar. Meu corpo já não é mais o mesmo. Amigo, enquanto puder, aproveite bem a vida porque ela é única. Depois não tem como voltar atrás...". Depois de dizer isso, ele passou a atender uma moça que havia acabado de chegar.

Terminei de comer o meu cachorro quente enquanto pensava no que ele havia dito. Realmente, essas pessoas de São Paulo sempre me fazem sentir que estou atrasado para alguma coisa...