"Minha meditação me queima, Senhor! Mas me deixai falar para me desafogar."
Jorge de Lima

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

domingo, 15 de agosto de 2010

A ruivinha do trem

Em dias de solidão a gente começa a reparar mais no mundo ao nosso redor.
Tinha tudo para ser um mais-um-dia. Como de costume, havia me enfiado no meio da mutidão, em busca de sobrevivência ou, pelo menos, tentando chegar ao trabalho no horário. O trem estava cheio e o meu olhar vagava de lado a lado, pois nessas horas vem uma inquietude indescritível, que terminou com o aparecimento de uma bela figura, uma ruivinha pequena e elegante. Não sei de onde veio, mas quando me dei conta ela estava em pé do outro lado do vagão. Sua figura contrastava com o mundo ao seu redor: ela, tão delicada e pequena no meio de um mundo hostil e agressivo. O rosto sereno diferenciava-se do silêncio conformista que reina na cara das pessoas nessa situação.
Enquanto esperava o trem partir, colocou os fones de ouvido e começou a se deliciar com algum tipo de música. A boca pequena movia-se com afinco, acompanhando o ritmo e a letra, provavelmente rápidos, da música. Como ela era linda! Não conseguia tirar os olhos dela. Tentei desviar o olhar, pois não creio ser de muita educação ficar observando as pessoas dessa forma, mas foi em vão: logo eu não resistia e voltava a pregar os olhos no seus cabelos de fogo.
O trem já havia partido. Numa curva a luz do Sol repousou no rosto dela, o que lhe deu uma nova graça, pois realçava o branco da sua pele e o leve corado nas bochechas. Incomodada um pouco pela luz, ela fechou os olhos, mantendo a cabeça um pouco inclinada para a direita numa expressão de serenidade, causada talvez pela música que ouvia.
Num das paradas de estação, desviei a atenção para o empurra-empurra travado logo atrás de mim. O trem retomou o movimento. A ruivinha estava agora de lado em relação a mim. Ela havia mudado de posição para que pudesse arrumar o cabelo, enquanto segurava com a mão esquerda um espelho de bolso. Depois de guardar, ela, distraída, ficou brincando com um dos caracóis do seu cabelo. E como fazia isso com charme!
Você vai me perguntar: Será que alguma vez ela olhou na minha direção. E a resposta é sim. E foi uma só vez. O olhar dela me paralisou momentaneamente. Mas como disse foi só um momento. Logo seus olhos se perderam na paisagem pela janela.
A viagem estava terminando. O trem parou e eu desembarquei. Notei logo que ela desembarcou na mesma estação, por outra porta. Não deixou de ser engraçado vê-la saltitando alegremente enquanto corria em direção a um moço sentado numa das cadeiras da estação. Ele se levantou e a segurou com força no seus braços. Não eram namorados, pois não se beijaram, nem saíram de mãos dadas.
Não demorou muito para perder de vista no meio da multidão da Cidade Grande a minha paixonite do trem: a minha doce ruivinha, que talvez nunca mais terei o prazer de ver novamente. Mas... como é bom estar vivo!