"Minha meditação me queima, Senhor! Mas me deixai falar para me desafogar."
Jorge de Lima

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Comentário sobre Ana Karênina

Por favor, não leia este post se você não leu e pretende ler Ana Karênina.
Neste momento leio o epílogo de Ana Karênina, de Leon Tolstói, livro que tem me ocupado nos últimos meses. Digo nos últimos meses porque a obra tem me ocupado por muito tempo, a leitura é densa e muitas vezes custa a avançar. A desconstrução da protagonista ao longo do livro é tão intensa que custa a acreditar que a mesma dama que consegue demover a cunhada Dolly da ideia de abandonar o marido que a havia traído com a preceptora dos filhos do casal usando argumentos convicentes e a mulher que, no ápice do ciúme e do desespero, atira-se sob a roda do trem sejam a mesma pessoa. Longe do julgamento de certo e errado, o que parece estar em jogo na obra é a necessidade de encontrar o prazer, acima dos "deveres sociais". A saída de Ana foi romper com a família entregando-se ao seu amante Vronski. Isso, porém, não a torna feliz, antes é motivo para mais angústia ainda, pois a mulher sabe que o amante agora era o seu único elo com a sociedade. Sem ele, não há esperanças para ela. O que a leva a concluir que a história da humanidade é apenas a história de pessoas que se odeiam mutuamente. O amor, já próximo à loucura, torna-se ódio cego; por isso, a morte de Ana soa para ela como uma vingança. Porém é na iminência da morte que as coisas tornam-se evidentes para ela: há sim prazer verdadeiro, sem culpa.
Livro excelente!

Observação: não poderia deixar de comentar isso: no ano passado voltava da faculdade tarde da noite. Já era quase meia-noite e a última coisa que esperávamos foi o tranco que interrompeu a viagem. As luzes apagaram-se e todos ficaram sem saber o que estava acontecendo. Depois de uma longa espera vimos um guarda andando ao lado do trem com uma lanterna. De repente ele parou ao lado da janela onde eu estava e gritou, apontando a lanterna para baixo: "Ele está aqui!". Vieram outras pessoas e olharam o cadáver do homem que havia se atirado, tal como Ana, embaixo do trem, dando cabo a sua vida. Depois de retirado o cadáver (não tive coragem de olhar), o trem prosseguiu a viagem. Tive, porém, tempo de ver o tênis do homem jogado no chão, próximo ao trilho. Voltei para casa impressionado, como vocês podem imaginar. No dia seguinte, comentei o fato com uma colega de trabalho. Ela ouviu com atenção e de repente exclamou: "Nossa! Igualzinho a Ana Karênina!". Bom, como vocês podem ver, eu comecei o livro já sabendo o final. Mesmo assim valeu percorrer todas as 750 páginas e encontrar a "verdade" por mim mesmo.
Que Deus tenha piedade daquele homem!